A esquizofrenia aterroriza. É o transtorno arquetípico da insanidade. A loucura nos assusta porque somos criaturas que anseiam por estrutura e sentido; dividimos os intermináveis dias em anos, meses e semanas. Almejamos maneiras de cercear e controlar a má sorte, a doença, a infelicidade, o desconforto e a morte – todos os desenlaces inevitáveis que fingimos que são tudo menos isso. Ainda assim, a luta contra a entropia parece incrivelmente fútil diante da esquizofrenia, que se esquiva da realidade em detrimento da própria lógica interna.
As pessoas falam dos esquizofrênicos como se estivessem mortos sem terem morrido, ausentes aos olhos dos que lhes são próximos. Esquizofrênicos são vítimas da palavra russa гибель (gibel), que é sinônimo de “ruína” e “catástrofe” – não a morte nem o suicídio, necessariamente, mas uma funesta suspensão da existência; deterioramos de um jeito que para os outros é doloroso.
O psicanalista Christopher Bollas define a “presença esquizofrênica” como a experiência psicodinâmica de “estar com [um esquizofrênico] que aparentemente fez a travessia do mundo humano para o ambiente não humano”, porque outras catástrofes humanas são capazes de suportar o peso da narrativa humana – guerra, sequestro, morte –, mas o caos inerente à esquizofrenia resiste ao sentido.
Tanto gibel quanto “presença esquizofrênica” tratam do sofrimento dos que estão próximos àquele que está sofrendo em primeiro lugar. Porque o esquizofrênico sofre. Tenho andado psiquicamente perdida num quarto escuro feito breu. Há o chão, que não pode estar em nenhum outro lugar senão bem debaixo dos meus próprios pés anestesiados.
Essas âncoras em forma de pés são os únicos pontos de referência confiáveis. Se fizer um movimento errado, vou ter de encarar a terrível consequência. Nesse abismo desolador, a chave é não ter medo, porque o medo, embora inevitável, só agrava a horrível sensação de estar perdida.
De acordo com o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH na sigla em inglês para National Institute of Mental Health), a esquizofrenia afeta 1,1% da população adulta dos Estados Unidos. O número cresce quando se considera o espectro psicótico completo, também conhecido como “as esquizofrenias”: 0,3% da população dos Estados Unidos foi diagnosticada com transtorno esquizoafetivo; 3,9% foram diagnosticados com transtorno de personalidade esquizotípica.
Esquizofrenias reunidas
Estou ciente das implicações da palavra “afeta”, que carrega um viés neurotípico, mas também acredito no sofrimento das pessoas diagnosticadas com esquizofrenias e da nossa mente atormentada. Fui oficialmente diagnosticada com transtorno esquizoafetivo do tipo bipolar oito anos depois de ter vivenciado as primeiras alucinações, altura em que tive a primeira suspeita de um novo inferno no meu cérebro.
A demora ainda me surpreende. Fui diagnosticada com transtorno bipolar em 2001, mas escutei a primeira alucinação auditiva – uma voz – em 2005, com vinte e poucos anos. Sabia o suficiente de psicologia anormal para compreender que pessoas com transtorno bipolar podiam vivenciar sintomas de psicose, mas não deveriam vivenciá-los fora de um episódio de humor.
Comuniquei isso à dra. C, minha psiquiatra na época, mas ela jamais pronunciou as palavras “transtorno esquizoafetivo”, mesmo quando relatei que desviava de demônios invisíveis no campus e que observara uma locomotiva completamente formada rugir na minha direção antes de sumir.
Comecei a chamar essas experiências de “distorções sensoriais”, uma expressão que a dra. C prontamente adotou na minha presença no lugar de “alucinações”, que é o que eram. Alguns não gostam de diagnósticos, chamando-os, de forma grosseira, de caixas e rótulos, mas sempre encontrei consolo em condições preexistentes; gosto de saber que não estou na vanguarda de uma experiência inexplicável.
Durante anos, sugeri à dra. C que transtorno esquizoafetivo talvez fosse um diagnóstico mais preciso para mim do que transtorno bipolar, mas em vão. Acho que ela estava receosa de me transferir oficialmente do terreno mais comum dos transtornos de humor e ansiedade para os confins das esquizofrenias, o que me sujeitaria à autocensura e ao estigma dos outros – incluindo aqueles com acesso ao meu prontuário.
A dra. C continuou a tratar minha condição com estabilizadores de humor e antipsicóticos pelos oito anos seguintes, sem sugerir uma única vez sequer que minha doença pudesse ser outra coisa. Então comecei a desmoronar de verdade, e mudei para uma nova psiquiatra. Com relutância, a dra. M me diagnosticou como tendo transtorno esquizoafetivo do tipo bipolar, que continua a ser meu diagnóstico psiquiátrico principal. É um rótulo com o qual por ora estou bem.
Um diagnóstico é reconfortante porque fornece um contexto – uma comunidade, uma linhagem – e, se a sorte estiver a caminho, um tratamento ou uma cura. Um diagnóstico diz que sou louca, mas de um jeito específico: um que tem sido vivenciado e registrado não só em tempos modernos, mas também pelos antigos egípcios, que descreveram uma condição similar à esquizofrenia no Livro dos Corações e atribuíram a psicose à perigosa influência de um veneno no coração e no útero.
Os antigos egípcios entendiam a importância de observar padrões de comportamento. Útero, histeria; coração, associações frouxas. Viram a utilidade de dar nomes a esses padrões.
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* Esmé Weijun Wang é autora de Esquizofrenias Reunidas – Ensaios, a ser publicado pela Editora Carambaia
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