Embora tenha afrouxado a meta fiscal para os próximos anos, o governo ainda terá um desafio grande para alcançar os novos números prometidos, avaliam economistas consultados pelo Estadão.
O que os analistas dizem é que o governo deve ter dificuldade para cumprir a meta de primário – o resultado entre receita e despesa, sem contar o pagamento de juros – prometida para 2025. Também afirmam que o caminho para o ajuste das contas públicas passa pela ampla revisão de despesas.
Na segunda-feira, 15, a equipe econômica alterou as metas para as contas públicas dos próximos anos. Para 2025, a meta de superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) passou para 0%, a mesma meta de 2024, que foi mantida. A de 2026 passou de um superávit de 1% do PIB para 0,25%.
Nesta reportagem, o Estadão publica cinco análises sobre o que esperar para as contas públicas em 2025 e qual pode ser o caminho para o ajuste.
É importante que o Brasil sinalize a perspectiva de um superávit primário para conseguir estancar o aumento da dívida. O País tem uma dívida considerada elevada para uma economia emergente, o que aumenta a percepção de risco dos investidores. Na projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), as contas só vão voltar ao azul em 2027, depois de encerrado o atual mandato do presidente Lula.
A mudança da meta fiscal para os próximos anos piorou a percepção dos investidores com o Brasil num quadro em que o cenário externo ficou mais difícil, diante da expectativa de que os juros nos Estados Unidos permaneçam num patamar elevado por mais tempo. O dólar chegou a encostar no patamar de R$ 5,30, a Bolsa de Valores recuou, e os juros futuros subiram.
Veja abaixo o que dizem os economistas:
Bruno Funchal
Os desafios fiscais continuam relevantes aqui no Brasil. Com a PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) enviada ao Congresso algumas conclusões podem ser feitas, tanto pela ótica do copo mais cheio ou mais vazio.
O envio de déficit zero para 2025 mostra a luta da equipe econômica pela estabilidade fiscal, peça fundamental para a estabilidade econômica, juros menores e como base para mais investimento e crescimento. Por outro lado, a revisão da meta para baixo e a retirada do precatório das despesas sem o devido ajuste na base do orçamento apontam para uma tendência de piora fiscal, o que para um país com dívida elevada custa caro.
Mesmo com a proposta de meta zero para 2025, nossa projeção de resultado primário aponta para um déficit de 0,7% do PIB, ainda muito pressionado pelo crescimento das despesas obrigatórias, que são cada vez mais rígidas, e acabam comprimindo as despesas discricionárias piorando a margem de manobra das políticas públicas.
As alternativas para entregar o resultado de déficit zero agora precisa passar pelo lado da despesa, uma vez que as medidas de receita estão se esgotando e um aumento de carga tributária é detrator de crescimento. A primeira grande medida seria, seguir o novo arcabouço fiscal aprovado em 2022. Este modelo prevê as ações que precisam ser tomadas caso a meta não seja cumprida, como a suspensão de determinados gastos. A política de avaliação dos gastos públicos e sua conexão com o ciclo orçamentário através da distribuição dos recursos das políticas públicas menos efetivas para as mais efetivas também é fundamental para discutir a melhora da qualidade do gasto, além de pautas estruturais como a reforma administrativa. / CEO da Bradesco Asset Management e ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento
Felipe Salto e Josué Pellegrin
A situação fiscal da União em 2025 está comprometida pela dinâmica das contas em 2023 e 2024. Projetamos na Warren déficit de 0,82% do PIB (R$ 100,3 bilhões). É um resultado bem pior do que o superávit de 0,5% do PIB da LDO 2024 ou o déficit de 0,23% do PLDO 2025 (ou 0,09% de superávit sem precatórios excedentes).
Estimamos receitas líquidas de 17,8% e despesas de 18,6% do PIB. Trata-se de uma queda de receita de 0,4 ponto porcentual do PIB frente aos 18,2% em 2024. Esse ano será bom para a arrecadação, mas em parte de caráter extraordinário. Sem novas ações ou receitas atípicas, será difícil reproduzir o desempenho de 2024, beneficiado com medidas aprovadas em 2023 pela Fazenda.
Quanto às despesas, projetamos 18,6% do PIB para 2025, porcentual que carrega o peso do forte aumento ocorrido em 2023, quando chegou a 18,7% do PIB (excluídos os precatórios acumulados). Não parece haver disposição de reduzir o gasto de modo relevante em 2024 ou 2025, mesmo depois da alta expressiva de 2023.
Como supomos déficit de R$ 100,3 bilhões, em 2025, esse seria o tamanho do ajuste requerido para alcançar o déficit zero. Será impossível alcançar esse número sem promover corte significativo nas despesas por meio do contingenciamento.
Note, entretanto, que o governo já sinalizou que buscará a meta com a exclusão de R$ 39,9 bilhões em precatórios excedentes. Ademais, a meta é considerada cumprida mesmo com déficit de R$ 31 bilhões (0,25% do PIB). Assim, a meta será alcançada mesmo com déficit de R$ 70,9 bilhões (39,9+31). Se conseguir apenas R$ 29,4 bilhões (100,3-70,9), a LDO será cumprida, mas a sustentabilidade da dívida estará distante. / Felipe Salto é economista-chefe e sócio da Warren Investimentos. Foi Secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro Diretor-Executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente)
Josué Pellegrini é Doutor em economia pela USP e economista da Warren Investimentos. Foi Diretor da IFI e consultor legislativo do Senado Federal.
Gabriel Leal de Barros
O déficit primário em 2025 superará R$ 120 bilhões, patamar bem acima dos cerca de R$30 bilhões apontados no PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) 2025. Dada a fadiga esperada e já presente da agenda de consolidação fiscal exclusivamente pelo lado da receita, uma abordagem racional deve naturalmente incorporar a extensa agenda de revisão de gastos e políticas públicas pouco eficientes. A esse respeito, a medida que entrega ganho fiscal mais imediato é a fusão inteligente de políticas sociais, atualmente pulverizadas e com enorme sobreposição.
Além do amplo espaço para aprimorar o desenho das políticas sociais, de saúde e educação, há perda fiscal substantiva de recursos públicos também decorrente de fraudes e erros. A perda de qualidade do CadÚnico, principal banco de dados para identificação dos beneficiários de inúmeras políticas públicas, é uma realidade, assim como há baixa articulação e cruzamento com dados do CNIS e de outras bases de dados relevantes. De outra forma, não há um Big Data que centralize e cruze as informações de múltiplas naturezas (previdenciária, acidentária, assistencial, etc), de modo que há amplo espaço para erros e fraudes, que é adicional a sobreposição e baixa articulação de múltiplos programas.
O resultado não poderia ser diferente de uma enorme ineficiência do gasto. A título de exemplo, o abono salarial, um décimo quarto salário pago pelo setor público não é progressivo, uma vez que cerca de 70% dos benefícios são pagos aos 60% mais ricos. Em média, a sobreposição dos programas previdenciário, de apoio ao mercado de trabalho e proteção social superam 20%, uma enormidade.
O fim dos privilégios em diversas carreiras do setor público é também uma realidade, de modo que uma reforma administrativa mostra-se imperativa, tanto para o governo federal quanto para os Estados e municípios. A agenda de digitalização da administração pública, menos atraente à primeira vista, é igualmente relevante e tem potencial de entregar tanto economia fiscal quanto maior inteligência na formulação de políticas públicas e agilidade no diagnóstico e tomada de decisão. O caminho é conhecido, falta convicção. / Economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI)
Pedro Schneider
Esperamos déficit primário de 2025 de 0,9% do PIB. A piora frente ao resultado que esperamos de 2024 (0,6% do PIB) decorre de menos receitas extraordinárias e da nossa expectativa de que não serão implementadas novas medidas de recomposição de arrecadação, além das já propostas e/ou aprovadas no Congresso.
Vale notar que a meta de 2025, quando considerada a banda inferior e os precatórios em excesso ao parcelamento da EC 113/21, permite um déficit de 0,6% do PIB. Evitar a piora do primário na comparação anual demandaria perseverança e mais iniciativas de arrecadação, além de avanço mais claro na agenda de controle e de maior ganho de eficiência nas despesas.
Por fim, é importante evitar retrocessos nos ganhos em termos de reformas aprovadas nos últimos anos, mantendo o avanço na agenda de redução das distorções, que provavelmente ajudarão o crescimento a continuar surpreendendo. / Economista do Itaú Unibanco
Solange Srour
O governo definiu uma nova meta fiscal de 0,0% do PIB para 2025. Apesar da meta ambiciosa para zerar o déficit público, o cenário para alcançá-la é bastante desafiador. As expectativas do mercado indicam um déficit de 0,6% do PIB para 2025, exigindo um esforço fiscal de mais de R$ 60 bilhões.
Aumentar a receita para alcançar a meta fiscal torna-se difícil por diversos fatores. Medidas não recorrentes que impulsionaram a arrecadação em 2024, como a taxação de fundos offshore, não se repetirão em 2025. Derrotas da Fazenda em relação ao Perse e à reoneração dos municípios também impactam negativamente. Além disso, o não pagamento dos dividendos extraordinários da Petrobras é mais um choque na arrecadação tão buscada pelo governo.
Do lado dos gastos, temos pressões para concessão de aumento da despesa de pessoal (com reajustes salariais para servidores) e nos benefícios sociais, considerando os reajustes do salário-mínimo (que impactam uma parte significativa dos benefícios pagos pela Previdência), além das pressões dos mínimos constitucionais para a Saúde e Educação.
Há também a possibilidade de a expansão de R$ 15 bilhões nos gastos em 2024 serem incorporados no teto de 2025. Será muito complicado também cumprir a nova meta no ano que vem devido à indexação de parte relevante da despesa ao PIB e à receita, além da falta de discussão sobre a modificação de políticas públicas ineficazes.
Hoje, há também uma probabilidade não desprezível de que pode haver uma forte pressão para rever o arcabouço, permitindo um maior crescimento da despesa.
O objetivo do novo arcabouço fiscal é estabilizar a dívida em relação ao PIB, o que com as projeções apresentadas na PLDO só será alcançado em 2028. Para estabilizar o crescimento da dívida, seria necessário um resultado primário de cerca de 1,5% do PIB. Reformas como a da Previdência, mudanças na regra de Saúde e Educação e revisão de programas com abono salarial seriam necessárias para alcançar a meta fiscal e a sustentabilidade da dívida.
Em paralelo, aumentar a carga tributária não seria o melhor caminho. A carga brasileira já é bastante elevada, em comparação a outros emergentes, e, no curto prazo, seria difícil ver o Congresso aprovar mais medidas considerando a proximidade das eleições para suas casas. / Diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management