BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou, nesta segunda-feira, 15, uma mudança nas metas para as contas públicas em 2025 e 2026 – a primeira alteração desde que o novo arcabouço fiscal entrou em vigor, há menos um ano.
Os alvos foram reduzidos de um superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para 0% em 2025, a mesma meta deste ano, que foi mantida; e de um superávit de 1% do PIB para 0,25% em 2026. Os alvos de 2027 e 2028 – já no mandato do próximo presidente –, que ainda não haviam sido fixados, ficaram em saldos positivos de 0,50% e 1% do PIB, respectivamente.
Ao ser questionado sobre como se daria essa “escalada” no resultado primário, de 0,5% para 1% do PIB, em 2028, o secretário de Orçamento federal, Paulo Bijos, não detalhou as premissas consideradas no cálculo e afirmou, apenas, que está sendo considerado um tripé de ações: revisão de gastos, que poderia ganhar maior magnitude (por enquanto, envolve apenas duas ações; leia mais abaixo); um eventual aumento de arrecadação “por ora não incorporado” no Orçamento; e uma melhoria no ambiente econômico.
Em 2025, há também pontos de atenção. Primeiro, de acordo com as projeções da equipe econômica, o déficit zero só será alcançado porque o pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União), por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), não será contabilizado na meta, assim como acontece neste ano. O impacto dessa despesa é de R$ 39,9 bilhões no próximo ano. Se o valor fosse considerado, haveria um déficit primário de 0,23% do PIB em 2025.
Além disso, o governo não está considerando na conta do próximo ano a abertura de um crédito suplementar de até R$ 15,7 bilhões – esse montante deve ser antecipado em 2024, após uma manobra aprovada na Câmara dos Deputados e passará, provavelmente, a compor de forma definitiva a base de despesas do governo.
Contas vão demorar mais tempo para voltar ao azul
Na prática, essas mudanças nos alvos fiscais significam que o governo adiou a expectativa de colocar as contas no azul com resultado positivo na comparação entre receitas e despesas no Orçamento. O anúncio também expõe as fragilidades do novo arcabouço fiscal, pois o governo contava com aumento de arrecadação para cumprir a regra.
Ao mudar a meta, o governo sinaliza que a arrecadação não vai crescer como ele esperava anteriormente e, portanto, a balança entre receitas e despesas vai ficar com um resultado menor. Dúvidas sobre a arrecadação a partir do segundo bimestre de 2024 e sobre o desempenho da economia em 2025 foram obstáculos apontados por economistas e integrantes do governo.
Há, ainda, a preocupação com a trajetória dos gastos obrigatórios, sobretudo das despesas previdenciárias e assistenciais, que são atreladas ao salário mínimo. Para 2025, o governo projetou na LDO o valor de R$ 1.502 para o mínimo, uma alta de 6,37% – quase o dobro da inflação projetada pelo governo para 2024, de 3,25% para o INPC.
Isso porque, atualmente, o mínimo é corrigido pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes. Essa indexação aumenta, automaticamente, o valor de pensões e benefícios do INSS, que são o principal gasto público.
Na apresentação do documento, o secretário-executivo do Ministério do Planejamento e Orçamento, Gustavo Guimarães, avaliou, porém, “que a nova trajetória das metas mantém a sustentabilidade das contas públicas”.
E reforçou o recado que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem dando reiteiradas vezes, de olho nas atuações do Congresso e do Judiciário: “Gostaríamos de frisar compromisso com a sustentabilidade da dívida e lembrar que essa é uma missão compartilhada por todos os Poderes”, disse.
A mensagem, porém, não conteve as críticas por parte do mercado financeiro, que analisa os números com lupa. O economista Gabriel de Barros, da Ryo Asset, destaca que os parâmetros utilizados na LDO são “irrealistas”. Ele entende que houve despesas subestimadas pela equipe econômica, como Previdência, Benefício de Prestação Continuada (BPC), abono e seguro-desemprego.
“As despesas me parecem subestimadas para fazer caber dentro da trajetória de primário escolhida. Ou seja, a conta é feita de trás para frente. É conta de chegada, e não resultado de projeções críveis de cada uma das rubricas de despesa primária. É um PLDO irreal, utópico, sem aderência com a realidade da dinâmica de cada uma das rubricas de gasto”, afirmou.
Já o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, avaliou que o PLDO preocupa, por não ser suficiente para garantir um quadro de sustentabilidade fiscal em prazo razoável.
“Pecando, ainda, pela preservação de projeções que já poderiam primar por maior proximidade à dinâmica dos dados realizados e dos cenários prospectivos do mercado”, disse Salto, que estima que o governo irá atingir o déficit zero apenas entre 2032 e 2033.
Governo projeta redução de custeio a partir de 2026 e propõe revisão de gastos
O governo projetou uma redução nas despesas discricionárias (soma de investimentos e custeio da máquina pública) a partir de 2026 – ano de eleição presidencial. Por outro lado, previu um aumento de despesas obrigatórias a cada ano, o que exigirá revisão dos gastos.
Em 2025, por exemplo, o projeto prevê R$ 212,7 bilhões em despesas discricionárias (que não são obrigatórias). Já em 2026, o volume cairia para R$ 212,3 bilhões e seria reduzido para R$ 168 bilhões em 2027.
Como os investimentos não podem cair, até porque têm um patamar garantido no arcabouço fiscal, o cenário forçaria o governo a cortar o custeio dos ministérios, que envolvem gastos com serviços de saúde, manutenção de universidades e despesas do dia a dia dos órgãos federais.
Nesse cenário, a LDO trouxe estimativas de economia de gastos com revisão de programas obrigatórios do governo, para manter uma folga nas despesas discricionárias e evitar um “apagão” nas contas. Com o INSS, a estimativa é de uma redução de R$ 7,2 bilhões em 2025. Já com o Proagro, espécie de seguro rural voltado à agricultura familiar, a estimativa é de corte de R$ 2 bilhões.
Apenas essas duas rubricas foram indicadas no projeto de lei, como antecipou o Estadão no mês passado. Até 2028, a equipe econômica estimou um corte de gastos de R$ 37,3 bilhões, no total, com esses dois programas, uma média de R$ 9,3 bilhões por ano.
“A agenda das receitas está sendo positiva, mas a revisão dos gastos vai ser um instrumento bastante importante para fechar as contas no médio e longo prazo”, afirmou Guimarães.
Segundo o secretário Bijos, a contenção das despesas em rubricas como a Previdência já representa o esforço feito pela equipe econômica para conter gastos via revisão dos programas.
Por outro lado, ele diz que a projeção de queda das despesas discricionárias para os próximos anos representa um desafio. “A contenção das despesas previdenciárias já representa o esforço para contenção dos gastos. Quando olhamos todos os itens de despesas obrigatórias, há um fator a ser considerado em valores nominais. Isso traz desafios em relação a sua contrapartida para despesas discricionárias”, disse.
Questionado sobre por que o governo não elencou um número maior de medidas para revisar, tendo em vista o tamanho do desafio fiscal, Bijos afirmou que isso se deve ao “contexto histórico” e a um certo conservadorismo. “2023 foi um ano de reconstrução, então não era hora de reduzir despesas. E optamos por elencar apenas as revisões que estivessem maduras”, disse. Mesmo assim, disse que o objetivo do governo é “escalar e acelerar” essa agenda.
Fragilidade do arcabouço
O arcabouço impõe um aumento real (acima da inflação) de despesas a cada ano. Por isso, para sustentar a nova âncora fiscal, o governo depende de forte aumento na arrecadação. Conforme o Estadão publicou, a equipe econômica vê a agenda de crescimento de receitas perder força diante das dificuldades no Congresso Nacional, do próprio desempenho da economia e de questões políticas como o ano eleitoral e a queda de popularidade do presidente Lula.
Na semana passada, a Câmara aprovou uma proposta que pode fragilizar o arcabouço. O projeto autoriza Lula a aumentar as despesas em R$ 15,7 bilhões neste ano por decreto, definindo livremente a destinação do dinheiro. Atualmente, esse aumento só poderia ser feito após o final de maio, dependendo do comportamento das receitas e ainda de autorização do Congresso. Houve um acordo para rateio do dinheiro entre indicações do governo e indicações de parlamentares.
Recentes movimentos do governo Lula e do Congresso mostram que o arcabouço fiscal repete dribles feitos durante a vigência do antigo teto de gastos, mas de forma mais rápida – colocando em risco a credibilidade da nova regra para controle das contas públicas. Conforme o Estadão mostrou, os “furos” nos limites de gastos vigentes em 2023 e 2024 somam R$ 28 bilhões desde a aprovação da nova âncora fiscal, em agosto do ano passado.