Os alunos do município de São Paulo terão acesso a uma nova ferramenta para entender a história e a cultura brasileira: o kit educativo antirracista. Preparado pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) com a colaboração com o Museu Afro Brasil Emanoel Araújo, ambos ligados a Universidade São Paulo (USP), o kit irá conter artefatos, imagens, brinquedos, textos e outros itens para facilitar o entendimento em sala de aula.
A utilização desses kits educativos funciona no formato de empréstimo, em que o professor pode retirar o material para utilizar durante 15 dias dentro das salas de aula. O projeto também teve apoio da Secretaria Municipal de Educação, do líder religioso Tata Katuvanjesi, do terreiro Inzo Tunbamsi, e foi realizado após o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O único requisito para pegar o kit emprestado é participar de um curso de formação oferecido pelo próprio MAE, que ensinará o profissional sobre cada um dos elementos no kit. Tanto o curso quanto a visita ao museu são abertos ao público.
“O kit passou por uma discussão pedagógica onde pensamos quais eram os aspectos que nós poderíamos tratar. Concordamos que era importante discutirmos temas como o racismo religioso, o racismo estrutural, o que é a ‘branquitude’, ancestralidade, entre outros”, resume Simeia Mello, coordenadora do Núcleo de Educação do Museu Afro Brasil.
Preconceito religioso
Maurício André da Silva, arqueólogo, educador e coordenador do núcleo educativo do MAE, acredita que o kit seja liberado para empréstimos a partir de novembro. “O projeto está na fase final e os objetos serão surpresa. Mas darei um spoiler: teremos um Abebé de Oxum”, revela.
Tanto Maurício como toda a equipe do MAE e do Museu Afro Brasil optaram por trazer as religiões de matrizes africanas como um dos pontos principais do kit. Uma das convidadas para compor o projeto, a doutora em arqueologia e membro do Rede de Arqueologia Negra (Negrarqueo) Patricia Marinho de Carvalho relembrou casos de racismo religioso que frequentemente aparecem no estado de São Paulo.
A pesquisadora cita a tese “Exu e a Pedagogia das Encruzilhadas”, de Luis Rufino Rodrigues, como base para inserir as religiões de matrizes africanas na educação. “Exu é quem abre os caminhos. E com esse Exu, no sentido pedagógico, podemos discutir o antirracismo, pois Exu é muito forte e deve ser trazido para a sala de aula para combater esse padrão cristão de que Exu é ‘o demônio’, é negativo”, argumenta.
Cultura dos povos afrobrasileiros
O kit trará artefatos, sejam equipamentos, imagens ou objetos, de várias tribos africanas que são abundantes no Brasil, a exemplo dos povos Bentu e Iorubá.
Outro ponto que a doutora em arqueologia destacou foi a tecnologia africana: “Os povos deste continente já manejavam o ferro, por exemplo, com técnicas próprias. Ensinar isso mostra que os africanos não eram atrasados ou não evoluídos”, enfatiza.
Outros temas para se tratar na escola
O kit racista não é o único oferecido pelo MAE. O museu oferece também o kit educativo de arqueologia e etnologia (composto por objetos originais, réplicas, materiais de apoio como textos e imagens); o kit educativo de arqueologia do mediterrâneo (composto por réplicas e materiais de apoio como textos e vídeo); o kit de brinquedos infantis indígenas (composto por objetos etnográficos originais, materiais de apoio como textos, imagens e vídeo); e as maquetes táteis de arqueologia brasileira (abordam arqueologia da Amazônia, arqueologia urbana, arqueologia de Lagoa Santa e arqueologia das casas subterrâneas). Mais informações estão no site do MAE.
Maurício explica que o material é ideal para se trabalhar com estudantes com deficiência, visto que é composto de equipamentos táteis e os vídeos possuem audiodescrição e intérprete de libras.
Esses kits já são oferecidos para as escolas municipais de São Paulo, mas professores do interior também podem solicitar, contanto que obedeçam o prazo de 15 dias e devolvam o equipamento sem avarias.
“Nós temos esses projetos de levar materiais do museu para as aulas desde a década de 80 e, apesar de muitas vezes serem turmas de crianças, dá pra contar nos dedos de uma só mão a quantidade de vezes que algo quebrou ou foi danificado, os alunos entendem que aquilo é importante e manuseiam com cuidado”, garante.
Museu Afro Brasil
Após a parceria do kit educativo antirracista, a coordenadora do Núcleo de Educação do Museu Afro Brasil revela que já tem planos para expandir ainda mais a educação contra o racismo nas escolas. Hoje em dia, professores interessados já podem agendar uma visita ao museu, que funciona de terça à domingo, das 10h às 17h, com entrada gratuita às quartas-feiras.
O acervo também pode ser visto online no site. Desde o começo de abril, o museu também está recebendo a mostra “As Vidas da Natureza-Morta”, com curadoria de Claudinei Roberto da Silva, além de artistas contemporâneos do Benin.
*O conteúdo foi produzido em parceria com o Museu Afro Brasil Emanoel Araujo – USP.