Um dos símbolos do Brasil, o suco de laranja é onipresente no cardápio dos brasileiros, seja no café da manhã, no almoço ou no jantar. Nos últimos meses, no entanto, o produto (seja o suco de laranja como a laranja) sumiu das prateleiras, o que tem provocado uma escalada dos preços. Por trás do movimento está uma série de desafios enfrentados na produção agrícola, como a queda da colheita por causa das mudanças climática e o avanço de pragas. Junta-se a isso, uma demanda maior pelo fruto em mercados emergentes na Ásia e Oriente Médio. Oferta menor e procura maior resultam em alta de preços.
Em uma década, a produção do suco de laranja despencou mais de 50% e reduziu os estoques. Além das questões climáticas, a escassez também é causada pelas pragas que assolam as lavouras, a exemplo do greening que tem levando produtores a migrar de região, ou até mudar a operação para outras culturas.
O coordenador dos índices de preço na FGV, André Braz, afirma que a taxa acumulada no custo da laranja em 12 meses avançou mais de 30%, chegando a 38% no Estado de São Paulo. A alta está ligada ao aumento de todo tipo de custos de operação, como proteção dos laranjais contra pragas, logística de colheita e transporte da mercadoria.
“As mudanças climáticas oferecem um desafio global ao agronegócio, não é só o Brasil que está sendo afetado. Recentemente, muito se falou do azeite, que teve uma quebra de safra na Europa, principalmente na Espanha, Portugal e Grécia, que são os grandes produtores mundiais do produto”, diz Braz. Isso provocou a alta de preço do azeite, que é mais ou menos a mesma história da laranja.
A redução da colheita tem reflexo direto no estoque de suco de laranja. Levantamento da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR) aponta que, em 2023, o Brasil registrou o segundo menor nível de estoques em 13 anos. Ao todo, no ano passado, o País produziu aproximadamente 463 mil toneladas do produto, um crescimento de 6,7% na comparação com o produzido em 2022. Apesar de não existir um perigo iminente de “extinção” da bebida, o cenário de problemas afeta o preço e a disponibilidade do item na mesa dos brasileiros e de outros mercados.
De acordo com os últimos dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em março deste ano, a fruta manteve uma trajetória de alta nos preços. Enquanto o índice geral para o período foi de 3,93%, as variedades de laranja, baía, lima e pera registraram inflação, respectivamente, de 16,24%, 37,89 e 39,16%.
O diretor executivo da CitrusBR, Ibiapaba Netto, conta que dois fatores primordiais explicam os resultados baixos da safra da laranja, da produção dos sucos no País e do preço mais alto para o consumo in natura da fruta. O primeiro deles já é algo conhecido no Brasil há 20 anos, o greening, que é uma praga que afeta os laranjais e pode dizimar hectares inteiros de plantação da citricultura. O segundo, também presente em outras áreas da agricultura no País: o aquecimento global.
“O greening é uma preocupação, a maior que temos até agora, mas o resultado de estoques tem mais a ver com o clima nos últimos anos do que com a presença da praga”, diz ele. “Até essa última safra nós tínhamos uma preocupação com o greening, hoje o resultado que nós temos da safra baixa é muito em decorrência do clima.”
O que é o greening?
A engenheira agrônoma e professora do curso de agronomia da Facens, Jéssica Silva, explica que a doença que afeta as plantações de laranja no mundo é causada por uma bactéria, possivelmente originária da China, que é transmitida por um inseto, conhecido como Psilídeo Diaphorina Citri. Ela aponta que, por se tratar de uma doença cujo vetor é um inseto, o controle da praga precisa ser feito através do combate do Psilídeo Diaphorina Citri.
“É um inseto bem pequeno, que encontra no Brasil um lugar muito produtivo para a reprodução por causa da umidade e da temperatura”, diz. “No fim do dia, o Brasil é uma terra fértil para todo tipo de insetos, tanto para doenças de humanos quanto de plantas.”
Outro problema associado ao greening é a alta adaptabilidade do inseto vetor da doença, já que com o passar do tempo, novas levas dele vão se tornando imunes a diversos defensivos disponíveis no mercado agrícola, o que torna o combate a essa praga mais complexo.
“Quando você expõe sucessivamente o inseto a uma mesma molécula de produto defensivo, eventualmente, você pode esbarrar em indivíduos que tenham ganhado resistência a essa composição, aí ele reproduz e passa esse gene de resistência ao defensivo para novos insetos,” afirma a professora de agronomia, que complementa. “Nós chamamos de ‘Teoria da Rainha Vermelha’, o tempo todo correndo cada vez mais rápido para ver quem ganha; é o que acontece com pragas e doenças e defensivos agrícolas.”
Conforme adiantou o Estadão, por causa dos estragos causados na plantação, citricultores paulistas estão migrando os pomares para Estados ainda livres da praga. Atualmente o polo citrícola brasileiro está concentrado nos Estados de São Paulo, com 77% da produção nacional, Minas Gerais e Paraná, região conhecida como “Cinturão Cítrico”.
Impacto do clima
Netto, da CitrusBR, pontua que a instabilidade climática gerada pelo aquecimento global tem castigado particularmente mais a região conhecida como “cinturão cítrico”, que corresponde a produção registrada entre os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Ele lembra que os produtores do País esperavam uma safra positiva entre 2021 e 2022, mas os resultados ficaram aquém do imaginado devido aquela que foi vista como uma das piores secas para a região nos últimos anos.
“Nós tivemos uma das piores secas da história recente. Regiões que mesmo com irrigação artificial não havia água suficiente no solo para salvar a planta. Foram áreas inteiras perdidas pela seca”, lembra.
Para Braz, da FGV, os problemas que o agronegócio enfrenta devido ao clima não têm solução simples, afetam diferentes plantios e ainda devem dar dor de cabeça aos produtores. “Os desafios climáticos estão aí e a tecnologia vai ter de ajudar a agricultura a driblá-los. Agora, não dá para driblar as secas intensas, as ocorrências de pragas ou então os alagamentos. Os extremos climáticos são complexos e desafiam praticamente todas as culturas.”
Se nos últimos anos as plantações de laranja foram afetadas, em grande parte, pelos efeitos do aquecimento global e do El Ninho, em 2024, os agricultores terão de lidar com outro fenômeno natural: o La Niña. Mais um evento climático que pode afetar a disponibilidade de chuvas e com isso alterar os resultados das plantações para produção de suco e comércio do fruto in natura.
Demanda em alta
Outro fator conjuntural que tem pressionado os preços do suco e da laranja no País é o aumento na demanda pelo produto em diversos mercados emergentes, a exemplo de países da Ásia e Oriente Médio, e até no Brasil, como explica o economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira. “Um fator estrutural da escassez na oferta de laranja se dá porque esse é o típico investimento que demora a maturar. O aumento da produção demora, exige um investimento e tempo. Imagine começar uma plantação do zero. Existe uma oferta que cresce num ritmo menor do que a demanda”, avalia o executivo.
O economista afirma que esse aumento na demanda está relacionado ao crescimento da renda no País, puxado pela correção do salário mínimo acima da inflação no Brasil, e também pelo aumento no poder de compras em outros mercados emergentes. “Depois de muito tempo, nós tivemos um aumento do salário mínimo e o recuo da inflação no País, o que gera um consumo maior de suco.”
Oliveira ressalta ainda que a junção de fatores como o apetite do importador pelo produto brasileiro e a depreciação do real ante ao dólar também pode afetar o preço e a disponibilidade do item nas prateleiras. “Na ótica do produtor é um cenário produtivo, pois o Brasil exporta suco de laranja, ele pega um aumento de preço no País e no mundo, tudo isso em meio a uma depreciação do câmbio do real”, afirma o economista.