Lançado com estardalhaço pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, o MBS, em 2022, a metrópole sustentável The Line pode nunca sair do papel.
Segundo maior exportador de petróleo do planeta, o governo saudita prometia erguer uma utopia verde.
Composta por uma estrutura de aço e vidro, a cidade se estenderia por 170 km de comprimento e teria apenas 200 m de largura, à beira de um paradisíaco Mar Vermelho.
Seus moradores teriam a possibilidade de percorrê-la sem precisar de carros ou estradas. E todas as emissões de carbono seriam neutralizadas, no que Salman prometeu ser “uma revolução civilizacional”.
Até o final da década, ao menos 1,5 milhão de residentes poderiam desfrutar de “formas alternativas de viver”, dispondo de todo tipo de serviços, lazer e oportunidades de emprego num curto raio de extensão.
Mas o projeto vem sofrendo com o ceticismo de investidores, que não creem na sua viabilidade.
Nas últimas semanas, o governo passou a reduzir drasticamente as projeções sobre o tamanho do The Line.
A nova versão mostra que no máximo 300.000 pessoas poderão viver no local. E que a cidade deverá ter apenas 2,4 km até 2030.
O golpe nos planos grandiosos de MBS mostram as dificuldades do governo em atrair investimentos estrangeiros.
“Os investidores estrangeiros não compraram a visão do Príncipe Herdeiro de que será possível erguer uma Arábia Saudita, baseada em megaprojetos voltados para a economia verde”, afirma Torbjorn Soltvedt, analista da consultora de risco Maplecroft.
Em 2023, o The Line recebeu investimentos de 1 bilhão de dólares, ou 1% do PIB nacional. Mas a previsão inicial é que seriam gastos 100 bilhões de dólares anualmente até 2030.
O The Line integra um complexo ainda maior, o Neom, uma série de complexos futuristas com mais de 26.000 quilômetros quadrados que está sendo construído na costa do Mar Vermelho.
Esse frenesi econômico faz parte da chamada Visão 2030, ideia de Salman para diversificar a sua economia saudita, que hoje depende completamente do petróleo.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional, 75% das receitas da Arábia Saudita têm como origem às exportações de petróleo, o que deixa o país extremamente vulnerável às flutuações no preço da commodity.
O problema é que o Visão 2030 impulsionou os gastos do governo, fragilizando a política fiscal.
Para bancar os investimentos, o país passou a se endividar, e hoje experimenta um raro déficit orçamentário. A aceleração dos gastos desnudou a fragilidade dos sauditas.
Para manter o atual ritmo de investimentos, afirmam especialistas, é preciso que o preço do petróleo permaneça em ao menos 93 dólares o barril. E atualmente, ele encontra-se em 91 dólares.
Desde que ascendeu ao poder, em 2016, Salman tenta projetar a imagem de um governante reformista.
Entre as medidas tomadas por ele está a maior liberdade às mulheres, que agora podem dirigir sozinhas ou viajar para países estrangeiros.
Mas a promoção da suposta abertura política esbarra num histórico de violações de direitos humanos, um problema que afasta investidores.
Em 2018, MBS se envolveu no assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, na Turquia.
Outra grave questão são os ataques diários de drones e mísseis dos rebeldes Houthi, do vizinho Iêmen.
Embora um acordo com o Irã, que apoia as milícias, tenha acalmado a situação, a guerra entre Israel e o Hamas voltou a escalar a violência no Golfo Pérsico.
Assim, é improvável que estrangeiros queiram viver numa megaestrutura de vidro imaginada por Salman, vigiadas pelo aparato de segurança da ditadura local e cercados por conflitos regionais.